data-filename="retriever" style="width: 100%;">Qualquer um de nós chegará à conclusão de que os membros das Mesas Diretivas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não podem ser reeleitos, simplesmente lendo o parágrafo 4º do artigo 57 da nossa Constituição: "Cada uma das Casas reunir-se-a em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente". Alguma dúvida na redação?
Para cinco eminentes juristas, com assento no mais alto tribunal do país, responsável pelo controle e interpretação da Constituição, a dúvida existe. E foram expostos argumentos para defender a possibilidade de reeleição dos dirigentes de Câmara e Senado. Escassa maioria de seis a cinco manteve o óbvio significado do texto constitucional e evitou uma das maiores "jabuticabas jurídicas" (jabuticaba é fruta exclusiva do Brasil, por isso se costuma chamar assim algumas lambanças bem à brasileira). Existiam razões de fato em favor da reeleição e, quiçá, interesse para a estabilidade institucional em momento tão difícil? Talvez. Mas, a regra é clara e deve ser obedecida. Simples assim.
As cortes constitucionais existem para interpretar pontos não tão explícitos das constituições nacionais e adaptar princípios à evolução da cultura e dos valores de uma sociedade. Mas, não para contrariar texto explícito.
Uma grande mudança na visão jurídica de preceito constitucional universal na segunda metade do século 20 foi a releitura do clássico "todos são iguais perante a lei". O que já era doutrinariamente defendido no passado tornou-se interpretação dominante deste princípio da igualdade. Ou seja, os desiguais não podem ser tratados igualmente. Isto cristaliza e eterniza a desigualdade. Necessário é tratar desigualmente os desiguais para se alcançar a igualdade. A isonomia é buscada pelo tratamento desigual aos desiguais.
Efeito prático de tal interpretação, hoje hegemônica, do princípio da igualdade? Os chamados mecanismos de compensação, entre os quais se incluem as cotas em diferentes áreas para segmentos da população com desvantagens no acesso a universidades, cargos públicos, oportunidades, etc.
Também é verdade que a interpretação depende de maiorias eventuais no âmbito dos tribunais constitucionais. Por exemplo, a visão da Suprema Corte norte-americana sobre pornografia. Esta já foi proibida, permitida e novamente vedada, conforme a geração de ministros da Suprema Corte, interpretando um mesmo princípio constitucional.
Sem dúvidas que a composição de uma corte de controle constitucional é muito importante e as interpretações variam de acordo com o pensamento da maioria dos ministros, podendo se alterar com o tempo. Mas nada disso autoriza a sabedoria jurídica a interpretar "vedada" como permitida. Interpretação, sim. Casuísmo, não.
*Este artigo foi originalmente publicado na página 4 da edição de sábado e domingo, 12 e 13 de dezembro de 2020.